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Foto Reprodução |
O Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ), um dos mais antigos da América Latina, reabrirá as portas em breve após um incêndio que devastou o antigo acervo, em setembro de 2018. Com a recuperação, também se renovaram as peças, muitas delas oriundas de doações. Uma delas é o fóssil de um calango cearense que viveu há mais de 100 milhões de anos: o Calanguban alamoi.
O exemplar pertencia ao suíço-alemão Burkhard Pohl, fundador do Interprospekt Group e um dos principais colecionadores de minerais e gemas da Europa. Ao todo, o Museu recebeu mais de 1.100 peças originárias da Bacia do Araripe, localizada entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, onde estão as formações Crato e Romualdo.
Como o MN possui parceria com a Universidade Regional do Cariri (Urca), da rede estadual do Ceará, desde os anos 1990, uma pesquisadora foi enviada para estudar a peça e catalogá-la para compor o acervo em reconstrução.
Na Urca, o Laboratório de Paleontologia é coordenado pelo professor Álamo Feitosa Saraiva, que em 2024 foi agraciado com o prêmio Morris F. Skinner, considerado o “Oscar” da área. Ele também contribuiu para a redescoberta do Calanguban, com apoio da então mestranda Ednalva da Silva Santos.
À época, eles pensavam que o calango guardado no Museu - transformado em cal após a carbonização - era o único exemplar existente no mundo, por isso a grande surpresa de encontrarem outro espécime preservado na rocha.
Segundo Álamo, em entrevista ao Diário do Nordeste, tudo foi uma série de acasos. Ednalva estava com o projeto de mestrado atrasado porque o material que analisaria, uma coleção de anuros (sapos e pererecas), não chegava da França. Com o prazo correndo, a orientanda precisaria mudar o objeto de pesquisa.
Foi justamente no período em que a doação de Pohl chegou para o Museu. Assim que bateu o olho, Ednalva se espantou: seria, de fato, outro Calanguban. A partir dali, começava um intenso processo de pesquisa do material original para cruzar as informações e registrar a descoberta.
Durante o processo, Álamo foi aos Estados Unidos e reencontrou o brasileiro Tiago Simões, pesquisador da área de Paleozoologia na Universidade de Princeton, com foco em squamatas (animais da ordem de serpentes e lagartos).
“Falei para ele: ‘você tem que me ajudar porque você é especialista em calango, e minha aluna precisa de ajuda pra salvar o mestrado dela’. Sentei uma manhã com ele, e ele confirmou que era o Calanguban”, conta o professor.
Simões entrou no trabalho como coautor porque fez a filogenia do espécime, ou seja, o estudo da história evolutiva entre grupos de organismos. Álamo ficou como supervisor. E, finalmente, Ednalva tornou-se mestra, inclusive recebendo um prêmio por melhor apresentação de trabalho de pós-graduação na Paleo Nordeste 2024, em Natal (RN).
O curioso é que o nome científico do calango cearense é uma homenagem ao próprio Álamo, que também foi surpreendido com o batismo.
Tudo começou em 2013, quando uma equipe do Museu Nacional e estudantes da Columbia University estiveram no Cariri para um trabalho de campo. Como era mês de outubro, um dos meses mais quentes no Ceará, muitos estrangeiros acostumados ao clima mais frio sentiram desconforto térmico.
“Bebam água, tenham cuidado, procurem sombra”, insistia Álamo com os alunos. Bastaram essas recomendações para ele receber um título: “o senhor parece um pai para a gente, cuidando dos filhos mais jovens”, disseram.
Uma menina reparou: “mas o senhor não bebe água”. Já acostumado ao calor, o professor brincou: “eu sou um calango da caatinga”.
Pouco depois, um dos pesquisadores brasileiros, Alexander Kellner - hoje diretor do MN -, que estava no grupo, procurou Álamo para mencionar um material do Cariri guardado no Museu que ninguém sabia dizer o que era. Um lagarto “muito apagado”, mantido na instituição desde os anos 1960.
O nome científico, oficializado em 2014, era formado pela junção de “calango” com “ubã”, que significa “pai” em tupi-guarani.
A alegria, porém, durou pouco. Em 2018, o Museu Nacional era consumido por um incêndio grandioso que destruiu cerca de 90% do acervo. No meio de tudo, o Calanguban alamoi se desfez em pó branco de cal. “Minha espécie tinha se perdido”, lamenta o professor.
Era o fim do holótipo, termo da biologia que descreve um espécime único escolhido como a representação oficial e padrão de uma espécie. Ele funciona como uma referência para a descrição e nomeação da espécie, servindo como base comparativa.
Fonte: Diário do Nordeste
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